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quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Mais um poema que morreu

Há alguns dias
achei um caderno que perdera.
Comecei a folheá-lo
de trás pra frente,
como sempre faço
ao folhear cadernos.
Encontrei rabiscos dos tempos
de minha loucura.
Li os rabiscos.
Li cuidadosamente,
tentando achar significado
em sua sinuosidade amórfica.
Eram rabiscos a lápis,
rabiscos apenas escritos
com o sentido da loucura.
Loucura e nada mais.
Loucura dando rodopios
e perdida em redemoinhos.
Loucura em triângulos.
Loucura em círculos.
A loucura queria cobrir
cada linha em branco
de cada página do caderno perdido
em esforços desesperados.
Os riscos e rabiscos
pareciam ser gritos
dessa loucura ansiosa,
mas não exatamente.
Eles queriam se esconder
ou talvez se enganar,
o que fazia todo o sentido,
sendo riscos de loucura.
Folheava mais páginas.
As páginas cheias de rabiscos
não acabavam,
não haviam de acabar
pois as folheava de trás pra frente.
Os riscos queriam um começo.
Embora tivesse lhes dado um,
esqueci porquanto era louco.
Mal curioso ficara,
assustei-me com aquela monotonia,
assustei-me: eram monstros e não rabiscos.
Monstros que me angustiavam.
Seus gritos inundavam as linhas.
Queriam me engolir.
Todos eles.
Mesmo me devorando
continuava lendo.
Só outro louco poderia notar
que por trás de cada grito,
pesava um silêncio descomunal
e que além de cada risco,
jazia um espaço infinito.
Eu continuava louco.
Agora, porém, desolado
por saber que todo o empenho
é em vão.
Terminara de folhear.
Quando li a capa do caderno,
notei que estava no começo.
Recomecei a folheá-lo
de frente pra trás
como sempre faço
ao folhear cadernos.
Da primeira a última página
não havia um risco sequer.
Tudo em branco.
Eu era um rabisco
que sem ter começo
antes do fim
foi riscado.